Era uma vez uma andorinha que se dizia sem coração. Um dia ela conheceu um passarinho despedaçado e resolveu ajuntar suas peças, sem ele saber. Fazer um mosaico de suas migalhas.
Ela gostava de coisas quebradas. Ele mal sabia que não estava voando.
Para ela, se não houvesse nada quebrado, não havia nada para ser amado. Já havia deixado vários pedaços dela mesma pelo caminho. Mas isso não a destruira. A deixara mais leve. Mais livre. Quanto menos partes, mais pronta para amar alguém com poucos pedaços.
E ela não se preocupara. Podia voar um pouco lascada. E sabia que um dia algum passarinho não iria se importar com seus pedaços a menos.
Aprendendo a juntar os cacos, ela aprendeu a regenerar os próprios. Foi colando as peças. Hora achava um pedaço do passarinho, hora regenerava um dela.
Os outros sabiam que aquilo não dava certo. “Um galho quebrado, nunca é o mesmo” – diziam. Mas ela não se importava. Se não fosse ela, ninguém mais tentaria.
Quando o passarinho se deu conta, não estava mais em pedaços. E agora percebia que mal tentara usar suas asas.
E que alguns de seus cacos eram, na verdade, os dela. Ao alçar voo percebeu que estava inteiro, e que podia voar muito mais alto que a andorinha. Porém, voando alto, os cacos entrelaçados machucavam a andorinha, sem ela saber.
Então ele percebeu que não poderia voar sozinho. Decidiu aproveitar a viagem.
E não revelar para ela que ele havia roubado as suas lascas.